quarta-feira, 20 de abril de 2011

Criação de abelhas sem ferrão nos SAFs

Na comunidade Santo Elias, Serra da Meruoca, realizando visitas aos produtores, através do projeto de implantação de Sistemas Agroflorestais – SAFs na Serra da Meruoca. O SAF é um sistema de produção que visa produzir alimento consorciado com árvores, buscando imitar ao máximo o que acontece na floresta. Na Serra o projeto é realizado pelo Instituto Carnaúba, no qual sou técnico. Desde 2006 ações vem sendo realizadas no Sítio Santo Elias, comunidade próximo ao distrito de São Francisco, 15 km de Sobral. O café sombreado, urucum e pimenta do reino são plantados em consorcio com espécies frutíferas (cajá, caju, graviola, manga, tamarindo, jenipapo, goiaba, etc) e florestais (jatobá, piquiá, podói, sabiá, angico, etc.).


Agora estamos iniciando a meliponicultura ou criação de abelhas nativas, conhecidas também como abelhas sem ferrão, indígenas ou ainda meliponídeas. De início estou acompanhando os agricultores na captura dos enxames até a formação de um meliponário da comunidade.
Inicialmente fizemos um diagnóstico com os produtores sobre as espécies os tipos de abelhas existentes nas áreas. Conseguimos listar as abelhas canudo (Scaptotrigona sp), mombuca (Geotrigona mombuca), cupira (Partamona seridoensis), bunda de vaca (Trigona fulviventris), arapuá (Trigona spinipes),  moça branca (Frieseomelitta doederleini) e mosquito (Plebeia sp.)


Após a identificação marcamos visitas nas áreas dos produtores para identificarmos os enxames e fazermos a mudança de forma artesanal. Como essa atividade está sendo resgatada agora e não dispomos de recursos para confecção de caixas, decidimos utilizar material local, fazendo com cabaças, da forma tradicional. A primeira abelha a ser mudada foi uma espécie de canudo (Scaptotrigona sp) que estava instalada em um tronco de cajueiro a 4 metros de altura. Uma preocupação que deve ser considerada na hora de fazer o manejo é a hora do dia, que deve ser de preferência no período da manhã para que ao final do dia o maior número de abelhas esteja dentro da nova moradia.
Enxame de canudo no tronco do cajueiro.


O Sr. Paulo, sua esposa Dona Bernadete e seu filho Alex participaram de todo o processo. Antes de iniciarmos tivemos uma conversa e Dona Bernadete explicou que seu pai sempre criou abelhas sem ferrão e disse que ela mesma já havia feito várias capturas dessas abelhas para cabaças. Portanto, nada melhor que o conhecimento local para aprendermos. E sempre aprendemos! Lembrando o que fiz foi acompanhar, aprender bastante e repassar um pouco de informação. Acreditamos que dessa forma a família se aproprie mais do processo, buscando cada vez mais sua autonomia.


Abaixo, o passo a passo para fazer a mudança das abelhas:


Marcacação da Cabaça.
Corte da Cabaça
Abertura da cabaça feita por Dona Bernadete e Alex


Após aberta a cabaça fomos para o enxame de canudo. Levamos todos os equipamentos necessários: escada, machado, foice, facão, cabaça, barbante, cordão e protetores. As abelhas sem ferrão são melhores de trabalhar que as apis, justamente por não terem ferrão, mas quando o enxame está fortalecido em alguns casos é muito complicado, pois elas fazem de tudo para não se mudar de local atacando principalmente a parte da cabeça. E as canudos são um pouco mais agressivas que outras espécies. Então protegemos principalmente a parte da cabeça.






Antes de começar a cortar o cajueiro Sr. Paulo fechou a porta de entrada a fim de deixar o máximo de abelhas dentro para que elas não atacassem. Acima a imagem do canudo fechado.






Então iniciou a abertura do tronco para fazer o mudança do quadro de cria.





Aberta a entrada das abelhas o que encontramos inicialmente foi  a cera, resinas e cerume que servem como proteção para as abelhas e estes devem ser separados para serem colocados dentro da nova moradia, a fim de diminuir o gasto de energia das abelhas, ou seja, ao invés delas gastarem energia produzindo novamente esses produtos, elas irão direcionar essa energia para manutenção das crias e do novo lar e isso garante mais o sucesso da mudança. Foto abaixo mostra os primeiros produtos retirados do enxame (cera, resinas e cerume).





Em seguida se retira os favos de cria, com muito cuidado. Como se trata de “bebês” sempre devemos ter muito mais cuidado.  Os principais cuidados são:
  • Respeitar a sequência dos favos mais velhos para os mais novos, geralmente, essa ordem de cima para baixo. Os favos mais velhos são mais claros, devido as abelhas já terem retirado a cera, direcionando-a para os favos mais novos;
  • Não virar os favos, principalmente os mais novos (de cor escura) para que as crias e larvas não se afoguem no alimento larval;
  • Coletar o máximo de abelhas novas, que ainda conseguem voar e transferi-las para a nova moradia, pois elas é que futuramente irão fortalecer o enxame;
  • Após retirado os favos descartar as partes machucadas dos favos para evitar que haja proliferação de moscas, forídeos, que depositam seus ovos em favos de crias que estão expostos, prejudicando todo o enxame;
Abaixo imagem dos favos de crias retirados, infelizmente alguns foram danificados.





Infelizmente muitas crias foram machucadas durante o processo, retiramos as mais danificadas e preparamos o espaço dentro da cabaça para receber os favos de cria com barbantes.





Após colocados favos de cria dentro da cabaça, pegamos a tampa e revestimos com a cera e resina que tinha sobrado para evitar que elas demandassem muita energia. Após colocada a tampa ainda revestimos a entrada da cabaça com o mesmo material, a fim de facilitar a entrada das abelhas, pelo cheiro do cerume.





Daí colocamos a entrada da cabaça no mesmo local da entrada da antiga moradia. Em questão de dez minutos as abelhas já estavam trabalhando na entrada, no canudo.





O enxame fica nesse local por uns 3 dias até termos a certeza de que maior parte das abelhas migrou para a cabaça. Enquanto isso dentro do cajueiro a rainha que não transferida vai migrar ou as operárias irão produzir uma nova rainha, o pólen vai sendo utilizado para alimentação sem ter que se delocarem muito em busca de alimento.


Abaixo um foto do Sr. Pauloe seu filho Alex animados com a atividade.





A função dessa criação das abelhas sem ferrão é: aumentar a população de meliponídeos, aumentar a polinização dos SAFs edas espécies florestais, produzir mel, pólen, própolis e cera, enriquecer a biodiversidade, etc. Ou seja mais de três funções essa atividade apresenta. Vamos ampliar essa atividade para outro produtores e ampliar para mais espécies de abelhas sem ferrão. Em breve outras postagens sobre o assunto.