sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

ARTIGO DE TIAGO SILVA SOBRE AGROFLORESTA

Artigo de Tiago Silva, sobre a experiência de agroflorestação na comunidade de Santo Elias, na Serra da Meruoca. O autor é Tecnico de Instituto de Ecologia Social Carnauba, e permacultor. Relata a experiencia e defende o sistema como ferramenta de preservação da Serra da Meruoca. 




A comunidade de Santo Elias é hoje uma referencia em termos de organização, geração de renda familiar, produção de alimentos sem a utilização de agroquímicos e preservação do meio ambiente. Agricultores, técnicos, gestores do poder público, instituições de ensino, pesquisa e extensão de diversas regiões passaram a visitar a comunidade no intuito de conhecê-la. 




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Sítio Santo Elias uma experiência de agrofloresta na Meruoca

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Sítio Santo Elias: uma experiência de agrofloresta na Serra da Meruoca

Encravada na Serra da Meruoca, a pequena comunidade Santo Elias é um exemplo a ser seguidas pelas demais comunidades da Área de Proteção Ambiental – APA da Serra da Meruoca, no que tange ao manejo sustentável dos recursos naturais, produção de alimento de qualidade sem agroquímicos, organização social, beneficiamento e comercialização dos produtos locais, gerando trabalho e renda para a população local o que garante a fixação do homem, da mulher e do jovem no campo. Mas nem sempre foi dessa forma...
No passado não muito distante, através de comentários de pessoas com maior experiência, as atividades geradoras de trabalho e renda na comunidade era, e ainda é em alguns casos, a criação de gado, o roçado, sítios e o extrativismo, principalmente do coco babaçu.
Era comum no período seco, estiagem, os fazendeiros subir a serra com os animais (gado) dos sertões, através de comboios em busca de alimento, a fim de manter o peso do rebanho, mesmo que a criação fosse de forma extensiva. Senhor Sebastião foi um comboieiro por muito tempo de sua vida.
Nesse mesmo período se aproveitava ainda para iniciar os roçados, tidos como itinerantes, ou seja, agricultura nômade, sem fixação no local, baseada no desmatamento total ou parcial da área seguido da queimada, plantio (milho, feijão e mandioca) por dois anos e pousio da área. Esses roçados eram feitos nas “quebradas”, em lajedos (áreas acima de 45°), geralmente com manchas de solo boas para esse tipo de produção.
Outro modelo de agricultura é a formação dos sítios com frutíferas exóticas em locais mais úmidos, geralmente nas “baixas”, próximo aos riachos e nascentes. As principais frutas trabalhadas na região são: banana, manga, caju, jaca, abacate, goiaba, citros em geral, café, urucum e pimenta do reino. Essa produção durante todo o ano garante fruta para consumo e o excedente para ser comercializado.
A extração também garante a sobrevivência das famílias. O babaçu, palmeira de extrema relevância na Meruoca, garantiu renda para as famílias, através da sua amêndoa para obtenção de óleo utilizado e alimentação humana e animal, mesocarpo (farinha) na alimentação das crianças, broto na alimentação humana e o coco inteiro como lenha para os fogões.
O manejo utilizado para manter esse sistema de produção tradicional necessita de áreas consideravelmente grandes para garantir que haja minimamente a recuperação e reconstituição dos recursos naturais renováveis, como a fertilidade do solo, o repovoamento das espécies vegetais, e, consequentemente, a conservação da água. Diversos são os fatores que interagem para com o manejo da terra. Uma delas e, talvez, de maior relevância é a questão fundiária, ou seja, a redução do tamanho da propriedade rural.  Com a divisão das terras por meio de partilhas, posses e heranças passadas de pai para filho a situação fundiária esta ficando cada vez mais delicado devido o adensamento populacional dentro da área rural. Contudo se faz necessário um repensar sobre o modelo de agricultura e manejo com a terra, haja vista que a proporção de área pelo número de famílias está diminuindo, conflitando diretamente com o modelo produtivo convencional. Os resultados são perceptíveis tanto aos olhos quanto ao bolso.
Mas a natureza é muito sábia, ela dá todos os sinais de que senti. De acordo com Loverlock, Gaia, Terra, é um organismo vivo que se alto regula no intuito de manter a biota do planeta viva. E para isso ela dar sinais iguais a qualquer ser vivo de algo estar errado. Sr. Sebastião percebeu que a natureza estava falando com ele, ou seja, o sistema dando sinais de que uso da terra da forma como estava sendo feito não dava para suportar por muito tempo e que estava precisando de cuidados. Através da leitura da paisagem ele conseguiu identificar que o solo estava sendo erodido, ou que “as pedras estavam crescendo”, o solo não mais tinha a vitalidade de antes. A diminuição da produção, pouca presença de animais, solo sem cobertura vegetal, as nascentes e riachos secando serviram foram agravando ainda mais a situação e desgastando ainda mais a terra. Contudo a única saída para se manter na terra e viver dela seria a mudança total de ver a terra. Sair de uma cultura oportunista para cooperação com a natureza, famoso “toma lá, dá cá”. E uma das tecnologias que chegou até a comunidade Santo Elias foi o Sistema Agroflorestal, ou SAF como é mais conhecido.
O sistema agroflorestal é um termo novo para uma prática antiga utilizada pelos indígenas King e Chandler (1978). É a simulação dos eventos naturais de uma floresta, consorciando espécies de essências florestais com espécies que sejam fontes de fibra, carboidratos, proteínas (animal e vegetal), vitaminas e minerais, a fim de suprir as necessidades alimentares das famílias locais, fixando o homem, a mulher e a juventude no campo, de forma a produzir por muitos anos dentro da mesma área.
Quanto mais próximo do equilíbrio, mais o sistema produzirá, mais permanente  e mais próximo da sustentabilidade será.
No primeiro momento pode parecer muito simples a implantação do SAF, mas para desenvolver e sistematizar os princípios que norteiam esse modelo de produção foram necessários muitos anos de pesquisa e prática no campo. O suíço, Ernst Gotsh vem trabalhando esse modelo há quase 20 anos e suas propostas já foram implantadas em todos os biomas brasileiros, baseado na sucessão vegetal como principal ferramenta indicadora de evolução do sistema de produção.
A árvore passa a ser a protagonista, que vai desempenhar diversas funções na área, através da produção de frutos, sementes, cascas para remédio, fixar o solo e conter a erosão, ciclagem de nutrientes por meio de suas folhas, facilitar a lixiviação das águas e dos nutrientes para as camadas mais profundas do solo, conforto térmico, quebra vento, barreira contra incêndio, além de alimento e abrigo para a vida silvestre.
Os sistemas de produção baseados nos conceitos de SAFs tendem a caminhar rumo à formação da floresta, ao clímax, ou seja, ao nível máximo de produção de biomassa, com frutos, folhas, lenhas, raízes e sementes. Para isso é importante se conhecer os diferentes a biota local, especialmente os estratos vegetais presentes no bioma onde se pretende trabalhar. Sabe-se que a vegetação de uma região tropical é formada basicamente por 3 grandes camadas ou estratos: a herbácea, arbustiva e arbórea, formando uma pirâmide de evolução do solo e da vegetação rumo ao clímax. Essa pirâmide aumenta ou diminui de acordo com o manejo que é realizado dentro do sistema. E que o sistema como toda floresta em algum momento deve estabilizar, chegar ao ponto de equilíbrio.
Os princípios norteadores do SAF são técnicas de manejo como, podas, roços seletivo, coquetéis de sementes, bolas de argila, controle biológico, policultivo, adubação verde, sistema de aléia, cobertura do solo, etc. Mas isso vai de acordo com o que se pretende, bem como as plantas que irão ser utilizadas dentro do sistema e próprio ambiente.
Mas quais são as vantagens do sistema agroflorestal em relação sistema convencional? Podemos citar principalmente a redução dos custos de implantação e manutenção, aumento da diversidade e da qualidade de alimento, controle biológico das pragas e doenças, conservação dos recursos naturais renováveis, especialmente o solo, ciclagem de nutrientes, aproveitamento de produtos florestais e recuperação de áreas em degradação.
Na comunidade Santo Elias a experiência com SAF iniciou em 2005, através de um projeto aprovado pelo PDA/MMA que destinava recursos para experiência conservacionista dentro das áreas de Mata Atlântica. Cursos, palestras, dias de campo foram metas que garantiram a capacitação dos primeiro agricultores do projeto para a implantação de Sistemas Agroflorestais na Serra da Meruoca, inicialmente plantando 20 mil mudas entre os anos de 2006 e 2007. Essas mudas foram basicamente de frutíferas em geral, nativas e como carro chefe o café de sombra. Mas por que o café de sombra? Porque é uma cultura valorizada que pode garantir renda através de sua venda, que desde o século XVIII que é cultivada na Serra da Meruoca, os agricultores já conhecem manejo básico de café de sombra, permite o consórcio com outras espécies do estrato arbustivo e/ou arbóreo, é uma planta de ciclo médio (cerca de 2 anos inicia a produção, não necessita de irrigação, aproveita sombras de outras espécies, tanto para diminuir sua perda de água, como para aproveitar espaço dentro da área.
A partir dessa experiência se buscou fortalecer as ações a partir de outros projetos e parcerias. No ano de 2008 iniciou o fortalecimento dos SAFs e ampliação de do número de beneficiários e áreas com manejo agroflorestal na Serra da Meruoca a partir da aprovação do projeto via Banco do Nordeste – BNB/FUNDECI. Nesse momento passam de 10 agricultores para 23 e mais 30 mil mudas para serem plantadas tanto no intuito de produzir e garantir renda, como de iniciar a recuperação das áreas degradas. A idéia era ampliar com novos agricultores e fortalecer os eu já estavam produzindo. Daí o projeto inicia o processamento, beneficiamento e comercialização dos produtos, ainda me pequena quantidade.  
No que tange a processamento e beneficiamento a comunidade a partir das frutas existentes passou a faze polpa, doces e geléias. Com esses produtos e os alimentos in natura foi escrito o projeto e se inseriram no Programa de Aquisição de Alimentos com compra antecipada pela Companhia Nacional de Abastecimento – CONAB. A comercialização mesmo que ainda em pequena quantidade estava garantida e a renda da família também, durante todo o ano também. Os agricultores se motivaram e perceberam que poderiam ampliar ainda mais em quantidade e diversidade. Então construíram forno à lenha (alimentado com o coco babaçu) para a produção de bolos e pães, ampliaram os freezers para armazenagem das polpas e inseriram mais famílias no processo. Com aumento da produção ampliaram para o Programa Nacional de Alimentação EscolarPNAE, ampliando ainda mais a renda e garantido alimento de qualidade na merenda das crianças do município.
Mesmo com o desenvolvimento das ações e avanço dos agricultores, ainda precisava otimizar o sistema de beneficiamento e processamento dos produtos a fim de qualificar ainda mais a produção. Daí foi escrito outro projeto, só que dessa vez financiado pela a PETROBRÁS, cujo foco é a implantação de unidades de beneficiamento, acesso a mercados, feiras e replicação da experiência para a Área de Proteção Ambienta – APA da Serra da Meruoca, composta pelos municípios de Alcântaras, Massapê, Meruoca e Sobral. No ano de 2010 foi aprovado e terá suas atividades até o ano de 2013 direciondas para o fortalecimento das cadeias produtivas da cafeicultura, apicultura, coco babaçu, fruticultura, turismo ecológico, artesanato e ervas medicinais.
Como resultado dos projetos e de parcerias feitas com outras instituições durante os anos de 2005 a 2012, essa comunidade passou a ser vista por toda a região como uma referência em termos de organização, geração de renda familiar, produção de alimentos sem a utilização de agroquímicos e preservação do meio ambiente. Agricultores, técnicos, gestores do poder público, instituições de ensino, pesquisa e extensão de diversas regiões passaram a visitar a comunidade no intuito de conhecê-la. Esses são alguns dos resultados positivos que tornaram a experiência do Sítio Santo Elias um exemplo a ser seguido na região.
Tiago Silva Bezerra - Permacultor e Educador
Extensionista do Instituto de Ecologia Social Carnaúba